A leitura da Canção


Neste projecto debruçamos essencialmente sobre o estudo da semiótica discursiva, tendo como objecto de estudo a significação, que são todos os mecanismos que o texto musical possui e oferece ao ouvinte. O signo como objecto da semiótica nunca está completo porque nos fornece uma ilusão de estabilidade e conteúdo, pois o texto, sendo uma totalidade em funcionalidade não pode ser interpretado por partes isoladas, acarreta consigo, o sentido e a sonorização. Um dos grandes equívocos desta matéria é afirmar que o significante é aquilo que nos proporciona recursos para chegarmos ao significado. Por consequência, analisar um texto por parcelas significa mutilar o conjunto da sua potencialidade semântica. Assim também acontece com a linguagem musical e verbal quando tomada como principal veículo de identidade de um povo, de uma comunidade, da constituição da individualidade cultural.

As componentes constitutivas da linguagem musical nem sempre criam estruturas de significação lineares. Pelo contrário, os seus objectos de valor estão permanentemente em conflito e não convivem um com o outro, embora saibamos que o produto final arrecada uma certa harmonia do conjunto. Nesta conjuntura estamos a fazer referência a dois processos fundamentais que se manifestam na produção e interpretação: o processo gerativo ascendente e o processo gerativo descendente. Muitos textos musicais podem ser construídos a partir de uma matriz reconhecida pelos grandes músicos da nossa praça como o de oposição e o de opressão abrindo caminhos para operacionalizar os órgãos sensoriais.

A canção é constituída e revestida por uma linguagem musical e verbal, simultaneamente cumprindo a dimensão cultural, teórica e técnica como encontros felizes de linguagens diferenciadas. Ela é uma peça que relata certa experiência para o ouvinte, articulando as linguagens que o convencem porque para além de música (ritmo) há uma inflexão melódia da fala imantada na canção. Ela presencia a fala, e fica presa aos elementos prosódicos da fala.

No tratamento de uma canção é preciso ter em conta as principais leis que o regem e dependem dos efeitos de sentido que o cancioneiro quer gerar, o que acontece de forma aleatória, inconsciente, acentuado na linguagem verbal. É assim que podemos encontrar incorporada numa canção efeitos de alongamento, duração e saltos, criando alto campo de tecitura tonal ou acentuada exploração desse campo. Por isso dizemos com confiança que um cancioneiro é um malabarista.

Em resumo, a canção é um género que pode ser utilizado para recuperar a memória de um povo subsequentemente a sua cultura, o conhecimento da sua gente, a sobrevalorização da sua identidade resgatando a maneira de ser e sentir deste mesmo povo.